Agora eu estava definitivamente sozinho, em meio aquele universo gélido e escuro, salpicado de pequenos pontos luminosos. Já não encontrava mais nenhum motivo para dar continuidade a minha sórdida vivência, se eu pudesse da um fim, naquele mesmo instante, ao meu lamento, certamente o faria.
Ainda com os olhos inchados pelo choro, tentei avistar algo suficientemente mortal, para realizar minha vontade. Para minha infelicidade, não havia nada mortal, ou melhor, não havia absolutamente nada. Aquele local, se é que poderia ser chamado assim, era mais vazio que o próprio vazio.
Mesmo assim, continuei numa busca, frustrante, por um ponto final para meu ser. Novamente deixei as lágrimas rolarem, lágrimas de ódio, de frustração, de medo. Não agüentava mais ficar ali, eu tinha de ir para algum lugar, qualquer lugar que não ali. Deste modo, abri minhas asas e comecei a vagar para lugar nenhum, rumo ao sem fim. Era tão inconsciente de onde estava que mais parecia um corpo celeste, inorgânico, vagando sem rumo, que um ser que vive. Realmente, sentia-me assim.
Desanimadamente, imitei os movimentos de um voo normal e fui-me, universo a fora. A sensação de voar naquele vácuo era completamente diferente da de voar num ambiente normal. Com fracos impulsos eu ia muito longe, praticamente nem parava de deslocar-me e nem diminuía de velocidade, não sentia o vento sendo empurrado pelas minhas asas, de fato, mal sentia o movimento do bater de asas. Era como se eu estivesse sendo carregado em vez de estar me carregando.
Vaga pelo sem fim era, ao mesmo tempo, relaxante e atormentador. O tempo alongava-se, vagarosamente, enquanto enormes distâncias e, por conseqüência, minha antiga vida, eram deixadas para trás. Cada bater de asas era mais dolorido que o anterior, não fisicamente, mas emocionalmente, era difícil imaginar que tudo havia acabado, de repente.
Logo estava tão distante de meus antigos sóis que eles pareciam apenas duas estrelas comuns em meio de outras milhares. Agora eu estava perdido na escuridão, via apenas pequenos pontos longínquos independente de onde olhasse, pequenas luzes que presenciavam minha solidão. Naquele momento, desgastado por tantos acontecimentos seguidos, sem descanso e sem alimentação, eu já estava cansado de voar, além do mais, nunca havia voado tanto antes, por mais que grande parte do percurso não tenha sido tão desgastante. Minhas asas suplicavam descanso, meu corpo já começava a fadigar, ainda assim, não parei. Minha determinação em cessar aquela angustia era mais forte que o cansaço. Muito tempo se passou e muita distância foi deixada para trás.
Depois de tanto vagar, comecei a interagir com uma nova força, havia invadido o campo gravitacional de um novo sol, muito maior que os dois sóis que aqueciam Drungsdom, muito mais intenso e extremamente vermelho. Três grandes globos rochosos circundavam-no, vagarosamente. Ao avistá-los, uma nova carga de adrenalina rompeu barreiras até meu sangue e disparei em direção ao mais próximo.
Havia água em abundância nele, pelo que dava para ver enquanto me aproximava, muito verde também marcava parte da superfície do planeta. Mas, em grande parte, ele era cinzento e marrom, o que, para mim, parecia o ambiente perfeito.
Angariei minhas últimas reservas e infiltrei-me na atmosfera do corpo celeste, com muita dificuldade, mas entrei. No momento em que entrei em contato com o ar do planeta, senti meus pulmões esvaziarem e a necessidade de voltar a respirar, além de uma leve brisa acolher-me, agitando a túnica que Flame me dera mais cedo, a qual havia até me esquecido de que estava usando. O ar daquele lugar tinha um odor bem diferente do que eu estava acostumado, meio amargo, meio fétido, mas, ainda assim, era bom sentir meus pulmões enchendo e esvaziando novamente.
Apesar de agradável a chegada ao planeta, não deixei que aquilo interferisse em meus propósitos. Pousei, pesadamente, na superfície rochosa e, num passo descompassado, incômodo um pouco com a vestimenta, mas nada que atrapalhasse, corri em busca de algo que eu pudesse usar para por fim a mim, poupando minhas asas para um possível uso futuro.
O lugar em que me encontrava era rochoso, sem vida, porém havia poças razoáveis d’água por toda a parte. Ao passar diante de uma delas, reparei em meu reflexo e voltei para observar melhor. Uma fraca aura contornava meu corpo, conjuntos desiguais de pelos arrepiavam-se desde minha cabeça até a ponta de minha cauda, dando-me um aspecto maligno, a túnica que ganhei de meu irmão mais cedo agora continha pequenos rasgos, quase que insignificante, e parecia um tanto carbonizada, danos, provavelmente, reflexos dos últimos acontecimentos. Fiquei parado diante aquele espelho natural durante longos segundos, observando sem ver, meditando sem pensar. “O que me tornei?” Foi a única coisa que ousou perturbar meus pensamentos e o pior é que eu não sabia a resposta.
Nesse momento sentei-me, sem retirar os olhos daquele reflexo. “Eu sou um monstro... Agora entendo por que tanto me temiam...”. Sai do transe, repentinamente, e, sem sair do lugar, girei a cabeça quase que hemisfericamente, procurando o que eu fora atrás, mas aquele pacato lugar não continha nada mortal o suficiente, as poças eram rasas de mais, comparadas a mim, para tentar afogar-me, as pedras eram muito arredondadas, não conseguiriam perfurar meu coração dolorido. Minha desgraça apenas crescia.
Diante da falta de estrutura do lugar, fui obrigado, pela vontade, a levantar-me, novamente, para, então, deslocar-me a procurar de um lugar mais acidentável, abandonado, de vez, aquele meu medonho retrato. Aquele planeta parecia muito mais desértico conforme eu desvendava-o, não havia nada, senão pedras e água, já suspeitava que o verde que eu havia visto fosse apenas uma ilusão.
Percorri uma imensa distância até que a paisagem mudasse: agora a água predominava e uma singela vegetação despontava das beiradas dos grandes lagos. E minha chance também se mostrava agora. Sem muito refletir, joguei-me no primeiro lago do qual me aproximei.
Nadei o mais rápido que pude para que, se eu desistisse, não conseguisse emergir novamente. A água estava agradável e acolhedora, túmulo melhor eu não podia desejar. Entretanto, algo parecia ter dado errado. Ouvi uma voz distorcida e medonha berrar em meus pensamentos: Não!
Após isso perdi todo o controle sobre meu corpo; novamente não senti necessidade de respirar e nadei, involuntariamente, porém, conscientemente, até a superfície.
O que você pensa que esta fazendo? – Vociferou a voz em minha cabeça.
– Tentando por um fim ao meu sofrimento – Respondi para não sei quem.
Eu não vou deixar você me matar.
– Como assim te matar?
Vai dizer que você não sabe que você é? – Indagou relutante.
– Eu sou Helike Long, ou, ao menos, era... – Disse ainda abatido com os fatos passados à tão pouco tempo.
Como pode ser tão hipócrita! Você, ou nós, é pertencente a hierarquia mais poderosa dentre todos os dragões existentes, praticamente invencível, imortal, incontrolável. Você não é um mero dragão negro, e nem teria como, pois esses teus chifres são específicos da nossa hierarquia poderosa e eu sou a fonte de tais poderes, eu sou você, nós somos um. – Terminou num tom malicioso.
Aquelas palavras caíram como uma enxurrada de água gélida sobre mim, somando-se a minha atual angústia. Como assim ele é eu? Como assim pertenço a uma hierarquia a qual não tenho nenhum parentesco?
Essa hierarquia, a qual você está negando, é diferente das hierarquias comuns. Felizmente, sou tão leigo no assunto quanto você. Vai ser interessante vê-te sofrer com essa dúvida. – Desta vez terminou com uma gargalhada maléfica que foi ecoando em minha cabeça até sumir.
Então o silêncio começou a torturar-me e permaneceu até eu quebrá-lo num movimento abrupto, não ia deixar tudo aquilo continuar, estava mais que decidido em me matar e, assombrosamente, senti certo prazer em imaginar a dor da fratura, do sangue jorrando, da vida se esvaindo, entretanto, não imaginei isso acontecendo comigo, no primeiro momento, mas com o ancião-mor de Linsgui.
Voei, atrapalhadamente, por conta do peso da capa molhada, a procura de uma pedra pontiaguda e, sarcasticamente, achei. Sem pensar duas vezes, novamente, lancei-me contra o ápice dela. Foi uma queda violenta, seguida de um impacto nocauteante.
Because this is me ₢ Helike Long
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