Despertei em meio a um amontoado de pequenas pedras trituradas, ainda meio zonzo, porém, suficientemente, lúcido para ficar intrigado por estar vivo. Estou vivo?!? Como pode?! Aquela pedra deveria ter me dilacerado e não eu; ela...
Preciso mesmo responder? – Mais uma vez aquela voz voltou a perturbar minha mente.
– NÃO! Suma! Pare de me atormentar! – Berrei perturbado para o nada.
Um longo silêncio sucedeu aquela perturbação, só então reparei que tudo o que ele queria era me irritar e eu permiti.
Eu preferi manter aquele silêncio, imerso em minhas aflições, e assim permaneceu por um longo tempo, até que, em uma moita próxima de mm, o ruído de um galho partido-se, arruinou a paz do ambiente. Instintivamente, voltei-me para a moita esperando por alguma ação, seja ela de ataque, seja de fuga. O que não aconteceu.
Estranhando, fui em direção donde viera o barulho, uma moita média, de coloração azulada e alguns ramos avermelhados, mexia-se mesmo sem vento e possuía um formato exótico que lembrava um animal. Quando tentei olhar no meio dela, ela moveu-se e correu de mim. Que raios é isso? Aquilo era alguma espécie de animal, o qual, até hoje, não sei de qual se trata, afinal nunca mais voltei lá.
O susto fez-me recuar e tropeçar em meus passos. Aproveitando o ocorrido, apenas rotacionei minha cabeça, poupado as energias, e observei as demais moitas e arvoredos; como eu esperava, todos estavam se movendo como aquele que eu toquei. De certa forma, aquela situação era bem interessante e um tanto engraçada, afinal aqueles “animais” eram bem desajeitados.
Permaneci ali, entretendo-me, por um bom tempo. Pareciam não me enxergar enquanto interagiam com o ambiente. Pareciam. Não demorou muito para que um deles investisse brutamente, com a cabeça, contra mim, escapei por muito pouco, porém, desnorteado pelo susto, não tive a mesma sorte com o que veio em seguida, assim como os que vieram o acompanhando, aproveitando a situação. Apanhei muito antes de conseguir ajeitar-me para, então, esquivar das investidas seguintes.
Querendo não contra-atacar aqueles exóticos animas, procurei tentar cansá-los para ver se eles desistiriam e deixar-me-iam em paz, esquivando-me deles. Mas, eles eram tantos e tão persistentes, que quem acabou se cansando fui eu. Então desisti de trabalhar em solo e optei por voar ara longe deles, porém, fui novamente surpreendido, aqueles matos mostraram-se exímios saltadores, podendo alcançar minha altitude sem dificuldades, o que atrapalhou minha tentativa de fuga.
Não entrando outro meio de livra-me daquelas coisas e estando já fatigado e faminto, decidi, então, atacar. Investi com os chifres contra o mais próximo de mim, o qual veio de cabeça contra mim também. Ao o atingir, senti meu corpo inteiro estremecer, ao passo que senti algo se estilhaçar entre meus chifres. Quando abri os olhos e minha vista desembaçou, vi aquele que viera contra mim estatelado no chão, sem vida, seus companheiros, instantaneamente, pararam e começado a recuar, receosos. Aproveitando a chance, puxei ar para meus pulmões e rugi o mais alto que pude e, em resposta, a manada bateu em retirada.
Enquanto via-os sumindo no horizonte, meu estômago reclamava de fome, principalmente, pelo cheiro doce de sangue que começara a emanar do estranho animal aos meus pés. Entregando-me ao instinto de sobrevivência e, sobre tudo, meu corpo faminto, abaixei-me até o “arvoredo-ambulante-que-cheirava-a-carne” procurando sabe se ele tinha algo que, ao menos, lembrasse carne. Felizmente, apesar do gosto um tanto diferente, debaixo daquelas folhas todas, de fato, ele era constituído de carne.
Já anoitecia e eu, farto, comecei a sentir os efeitos do cansaço, ficando sonolento. Procurei, então, algum lugar, suficientemente, seguro para descansar e passar a noite. Não demorou muito até que eu entrasse uma caverna, inevitavelmente, similar à em que morei durante meus primeiros dias de vida. Foi impossível não me lembrar da minha, extinta, família e da dor de sua falta. Então, adormeci, no interior dela, aos poucos, encolhido em minhas memórias.
O dia seguinte tardou a começar mais do que eu estava acostumado, quando acordei ainda estava escuro e, julgando pela posição das diversas luas que orbitavam o planeta, era impossível determinar quanto demoraria para o início da manhã. Temendo ser pego desprevenido por alguma espécie de animal, preferi ficar dentro da caverna até o amanhecer.
Então é a isso que estou fadado?Ficar vagando por esse monótono planeta, como um pássaro indefeso, sozinho, pelo resto da minha vida? Que castigo cruel... – Pensei, irrelevantemente.
Pela primeira vez tive tempo para admirar a capa que eu havia ganho de presente de meu irmão, pouco antes de perdê-lo para sempre.Com alguns gravetos e folhas, que encontrei perdidos dentro da caverna, amontoados e uma fraca baforada de fogo, acendi uma rústica fogueira para iluminar a caverna. Ela era, curiosamente, bela, possuía diversas estalactites e estalagmites e, mais ao fundo, uma pequena e magnífica lagoa. Deixando a caverna de lado por um momento, voltei-me para a capa, observando cada detalhe bem trabalhado, os amarrilhos e, então, pousei o olhar sobre a magnífica pedra posicionada no meu peito e reparei que ela já era igual a quando Flame havia ganhado a capa, agora ela parecia com um yin-yang vermelho e preto com círculos laranja e azul, respectivamente. Flame não me contara isso e eu sequer conseguia imaginar como ele fundira a minha pedra à dele e, principalmente, naquele formato difícil de obter.
Mais tarde, pouco antes do sol nascer, resolvi banhar-me na lagoa da caverna. A água era, incrivelmente, refrescante e relaxante. Permaneci ali por um bom tempo, esquecido de todas as minhas preocupações.
Quando o sol já estava alto o suficiente para aquecer o ar, abandonei o meu abrigo para aspirar um pouco daquele ar que, mesmo um tanto fétido, era um tanto agradável, graças ao orvalho da manhã. As moitas do dia anterior estavam por ali novamente, deitadas, aparentemente, aproveitando o sol. Mesmo essa vida, a qual achei que teria de seguir, parecendo agradável e confortável, não era para mim, me incomodava. Eu precisava encontrar um meio de sair dali.
Sai, então, para uma caminhada, contornando os “animais-arbustos”, a fim de evitar qualquer novo conflito. Pouco além da caverna, encontrei uma calma praia, impulsivamente, avancei pela areia até o mar, mar o qual provei semelhante poucos anos antes, junto a minha família e outros dragões, divertimo-nos, mesmo mar que, por sua sedução, atraiu tantos para morte, naquele ataque surpresa dos ‘animais-rosados-sem-pelos”. Duras e dolorosas lembraças vieram com aquelas ondas. Mais uma vez permiti-me viajar em minhas lembranças e assim permaneci, mais uma vez, por um logo tempo.
Quando, novamente, sai do transe, uma pontada de perseverança brotou profundo em meu ser e, então, levantei a cabeça, mirando o belo céu claro acima, abri, vagarosamente, minhas asas e, com todas as forças que pude angariar, impulsionei o ar para baixo lançando-me ao alto. Prossegui com um violento bater de asas até o ar tornar-se mais rarefeito, planei por aquela altitude até sentir, novamente, aquela estranha sensação de autossuficiencia em meus pulmões, o que não tardou, para então deixar de vez a atmosfera do planeta.
Abandonar a atração que aquele planeta exercia sobre mim foi mais difícil do que eu esperava, apenas depois de muito esforço, consegui vencê-la e, mais uma vez, encontrava-me em meio ao sem fim negro pontilhado de minúsculas luzes. Ao meu lado eu tinha os sóis daquele sistema, atrás; o planeta em que eu estava e os demais que transladavam aquelas estrelas e, a minha frente, ao longe, estivera, a até pouco tempo, Drungsdom. Sem muitas opções, então, segui no lado oposto aos sóis.
“Como não posso abandonar essa vida, então melhor fazê-la valer cada instante.”
Tendo isso em mente, bati asas rumo ao inevitável desconhecido.