Eu estava em plena a formosa e bela Linsgui, a época em que as flores brotavam, as aves enchiam o céu com seus cânticos em busca do parceiro, o perfume das folhas novas das árvores impregnava o ar. Além do mais era época de nascimento dos filhotes que tanto esperavam em seus ovos quentes para que pudessem sair e conhecer o ambiente.
Estávamos eu e minha querida fêmea, assim como muito naquele lugar, aguardando pelo fim do incubamento de nosso pupilo. Muitos que passavam por nós, olhavam-nos com certa repugnância no olhar, infelizmente, sabíamos o porquê.
O clima estava muito agradável naquela manhã, a Linsgui emanava de toda a parte, novos sons enchiam o ar a cada instante, sinal das novas vidas que decidiam romper a casca de seus ovos. E nós continuávamos lá, aguardando, sendo bombardeados pelo olhares, de expressões fechadas, que passavam por nós.
O dia foi passando lentamente enquanto nossos dois sóis ganhavam altitude à perspectiva de quem os observava. Cada vez mais grunhidos união se à sinfonia de sons do ambiente. Os anciões encontravam-se no centro da orla formada pelos ninhos rústicos, entoando bênçãos sobre os pequeninos que chegavam.
A tarde chegou conjunta a uma série de nebulosas ameaçadoras, olhei para minha fêmea, que a esta altura já estava desgastada pela longa espera, e ela compreendeu o que me olhar quis passar: "Há chuva vindo." O número de nascimentos já havia começado a diminuir e, por conseqüência, a temperança começou a tomar o lugar da sinfonia grunhosa também.
Logo os primeiros indícios de chuva mostraram-se e eu ergui minhas asas sobre minha fêmea e nosso ovo, para protegê-los da possível enxurrada que estava por chegar. Não havia mais ninguém lá, excetos nós e a água. Não demorou muito para que os raios rasgassem o céu acima de nós, eu e minha fêmea já estávamos pensando em nos retirarmos dali, apesar disso ferir os costumes do vilarejo. Porém, ao som do terceiro raio, a casca do ovo rachou, do topo a base e, seguindo o estrondo seguinte, um pequeno dragão negro, de chifres de um cristal azulado, irrompeu do ovo, grunhindo pelo susto do choque com a nova realidade.
Finalmente nascera nosso Helike Long.
Subitamente voltei a mim, senti uma energia estranha contraindo meu jovem corpo, notei, também, que não conseguia respirar, apesar disso não me fazer muita diferença naquele momento, pois parecia que meus pulmões estavam produzindo meu próprio ar, dispensando a inalação de um novo.
Quando finalmente abri meus olhos a primeira coisa que eu enxerguei, ou melhor, tentei enxergar, foi um grande vazio, um breu sem fim. Pisquei meus olhos a fim de acostumar com a claridade, ou falta dela, e então consegui avistar inúmeros e imensos pontos de luz perdidos no sem fim. Ao girar minha cabeça tentando entender onde estava aviste os dois sóis que iluminavam Drungsdom, Culuon e Virenies, tão próximos como nunca antes. Foi então que dei conta do que se tratava, eu não estava mais em Drungsdom, mas sim, fora dele, no sem fim do Universo.
Esforcei-me um pouco para tentar recordar e entender o que me levara até ali, mas havia tenta informação em minha cabeça que eu não conseguia organizar nada dentro de meus pensamentos, exceto por uma lembrança em particular, uma que eu tinha certeza não ser minha, a lembrança de meu nascimento.
Era confuso imaginar que eu sabia como eu mesma havia nascido, não tinha como, eu nem sequer tinha conhecimento pleno de que havia nascido, quanto menos do que ocorrera antes disto.
Era incrível como meus pais cuidaram de mim e ficaram ao lado de meu ovo o dia inteiro, até mesmo debaixo de chuva. Mas a lembrança, ainda assim estava muito nebulosa, continha mais pensamentos do que imagens. Não consegui, por mais que me esforçasse, distinguir meu ovo.
Então, tudo sumiu, fui engolido por uma calmaria incomodante, que, somada a calmaria do Universo monótono e silencioso, chegava à insuportável.
Subitamente, outro sentimento sobrepôs-se aos demais; um sentimento capaz de inquietar qualquer um: O medo. Medo do desconhecido, medo do que poderia acontecer naquele lugar e medo de nunca mais poder voltar para Drungsdom, meu lar, que, naquela época, eu achava ainda existir.
Então, instintivamente, tentei correr, correr daquele lugar, fugir do incógnito, entretanto, para minha surpresa e desespero, por mais que eu tentasse, freneticamente, deslocar-me, mal saia do lugar, isso se saia. Porém, durante minha atônita tentativa de sair do lugar, bati as asas, sem querer, e impulsionei-me para frente, pouco, porém muito mais do que antes enquanto tentava correr no vácuo.
O alívio tomou conta de mim e aliviou a tensão em meu corpo assim que descobri como poderia me deslocar, contudo, logo foi subtraído de mim para dar lugar a um novo susto: Uma pedra enorme passou, flamejante, pouco acima de minha cabeça e jogou-me, rodopiando, longe. Ao olhar na direção de onde veio o rochedo avistei um amontoado de poeira e rochedos pairando no nada.
Eles não conseguiram fazer nada e o resultado da fúria acumulada do meu pequeno Helike aumentava e tragava, monstruosamente, tudo que lhe aparecia pela frente.Meu macho e meu filhote vermelho estavam inquietos apesar de, visivelmente, controlando-se. "Vamos nos juntar ao Helike?" Sorri. Eles me olharam intrigados e tristonhos, mas concordaram. Andei até o mais próximo possível do meu filhote descontrolado e murmurei um pequeno encanto, que aprendi com minha mãe, sobre nós três. "Espero que um dia nos perdoe, pequenino.".
Essa súbita memória estava mais nítida que a primeira e pude me ver, à minha frente, no centro de uma esfera negra de energia, que tragava tudo que encontrava, enquanto os anciões parar-nos. Ao fim vejo a espera crescendo até ficar imensa à minha frente e, então, mais nada.
Quando recobrei meus sentidos e revi aquele, aparentemente, planeta esmigalhado. Apenas um pensamento atormentou minha mente: "Eu os matei, todos eles.". E irrompi em lágrimas.
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