sexta-feira, 13 de maio de 2011

X – Inevitável confronto

      Eu estava em plena a formosa e bela Linsgui, a época em que as flores brotavam, as aves enchiam o céu com seus cânticos em busca do parceiro, o perfume das folhas novas das árvores impregnava o ar. Além do mais era época de nascimento dos filhotes que tanto esperavam em seus ovos quentes para que pudessem sair e conhecer o ambiente.
      Estávamos eu e minha querida fêmea, assim como muito naquele lugar, aguardando pelo fim do incubamento de nosso pupilo. Muitos que passavam por nós, olhavam-nos com certa repugnância no olhar, infelizmente, sabíamos o porquê.
      O clima estava muito agradável naquela manhã, a Linsgui emanava de toda a parte, novos sons enchiam o ar a cada instante, sinal das novas vidas que decidiam romper a casca de seus ovos. E nós continuávamos lá, aguardando, sendo bombardeados pelo olhares, de expressões fechadas, que passavam por nós.
      O dia foi passando lentamente enquanto nossos dois sóis ganhavam altitude à perspectiva de quem os observava. Cada vez mais grunhidos união se à sinfonia de sons do ambiente. Os anciões encontravam-se no centro da orla formada pelos ninhos rústicos, entoando bênçãos sobre os pequeninos que chegavam.
      A tarde chegou conjunta a uma série de nebulosas ameaçadoras, olhei para minha fêmea, que a esta altura já estava desgastada pela longa espera, e ela compreendeu o que me olhar quis passar: "Há chuva vindo." O número de nascimentos já havia começado a diminuir e, por conseqüência, a temperança começou a tomar o lugar da sinfonia grunhosa também.
      Logo os primeiros indícios de chuva mostraram-se e eu ergui minhas asas sobre minha fêmea e nosso ovo, para protegê-los da possível enxurrada que estava por chegar. Não havia mais ninguém lá, excetos nós e a água. Não demorou muito para que os raios rasgassem o céu acima de nós, eu e minha fêmea já estávamos pensando em nos retirarmos dali, apesar disso ferir os costumes do vilarejo. Porém, ao som do terceiro raio, a casca do ovo rachou, do topo a base e, seguindo o estrondo seguinte, um pequeno dragão negro, de chifres de um cristal azulado, irrompeu do ovo, grunhindo pelo susto do choque com a nova realidade.
      Finalmente nascera nosso Helike Long.

      Subitamente voltei a mim, senti uma energia estranha contraindo meu jovem corpo, notei, também, que não conseguia respirar, apesar disso não me fazer muita diferença naquele momento, pois parecia que meus pulmões estavam produzindo meu próprio ar, dispensando a inalação de um novo.
      Quando finalmente abri meus olhos a primeira coisa que eu enxerguei, ou melhor, tentei enxergar, foi um grande vazio, um breu sem fim. Pisquei meus olhos a fim de acostumar com a claridade, ou falta dela, e então consegui avistar inúmeros e imensos pontos de luz perdidos no sem fim. Ao girar minha cabeça tentando entender onde estava aviste os dois sóis que iluminavam Drungsdom, Culuon e Virenies, tão próximos como nunca antes. Foi então que dei conta do que se tratava, eu não estava mais em Drungsdom, mas sim, fora dele, no sem fim do Universo.
      Esforcei-me um pouco para tentar recordar e entender o que me levara até ali, mas havia tenta informação em minha cabeça que eu não conseguia organizar nada dentro de meus pensamentos, exceto por uma lembrança em particular, uma que eu tinha certeza não ser minha, a lembrança de meu nascimento.
      Era confuso imaginar que eu sabia como eu mesma havia nascido, não tinha como, eu nem sequer tinha conhecimento pleno de que havia nascido, quanto menos do que ocorrera antes disto.
      Era incrível como meus pais cuidaram de mim e ficaram ao lado de meu ovo o dia inteiro, até mesmo debaixo de chuva. Mas a lembrança, ainda assim estava muito nebulosa, continha mais pensamentos do que imagens. Não consegui, por mais que me esforçasse, distinguir meu ovo.
      Então, tudo sumiu, fui engolido por uma calmaria incomodante, que, somada a calmaria do Universo monótono e silencioso, chegava à insuportável.
      Subitamente, outro sentimento sobrepôs-se aos demais; um sentimento capaz de inquietar qualquer um: O medo.  Medo do desconhecido, medo do que poderia acontecer naquele lugar e medo de nunca mais poder voltar para Drungsdom, meu lar, que, naquela época, eu achava ainda existir.
      Então, instintivamente, tentei correr, correr daquele lugar, fugir do incógnito, entretanto, para minha surpresa e desespero, por mais que eu tentasse, freneticamente, deslocar-me, mal saia do lugar, isso se saia. Porém, durante minha atônita tentativa de sair do lugar, bati as asas, sem querer, e impulsionei-me para frente, pouco, porém muito mais do que antes enquanto tentava correr no vácuo.
      O alívio tomou conta de mim e aliviou a tensão em meu corpo assim que descobri como poderia me deslocar, contudo, logo foi subtraído de mim para dar lugar a um novo susto: Uma pedra enorme passou, flamejante, pouco acima de minha cabeça e jogou-me, rodopiando, longe. Ao olhar na direção de onde veio o rochedo avistei um amontoado de poeira e rochedos pairando no nada.
      Eles não conseguiram fazer nada e o resultado da fúria acumulada do meu pequeno Helike aumentava e tragava, monstruosamente, tudo que lhe aparecia pela frente.Meu macho e meu filhote vermelho estavam inquietos apesar de, visivelmente, controlando-se. "Vamos nos juntar ao Helike?" Sorri. Eles me olharam intrigados e tristonhos, mas concordaram. Andei até o mais próximo possível do meu filhote descontrolado e murmurei um pequeno encanto, que aprendi com minha mãe, sobre nós três. "Espero que um dia nos perdoe, pequenino.".
      Essa súbita memória estava mais nítida que a primeira e pude me ver, à minha frente, no centro de uma esfera negra de energia, que tragava tudo que encontrava, enquanto os anciões parar-nos. Ao fim vejo a espera crescendo até ficar imensa à minha frente e, então, mais nada.
      Quando recobrei meus sentidos e revi aquele, aparentemente, planeta esmigalhado. Apenas um pensamento atormentou minha mente: "Eu os matei, todos eles.". E irrompi em lágrimas.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

IX ‒ Incontrolável

O dia seguinte ao triste ocorrido, os pais de Helike não conseguiam nem sequer olhar para o pequeno, quanto mais tratá-lo mal para testar o encanto. Sendo assim, decidiram por pular para a maior provação possível de uma vez e pediram para que Flame mudasse sua atitude com o irmão para saberem se de fato teria dado tudo certo.
O jovem dragão ficou extremamente contrariado com o pedido dos pais, discutiu muito antes de, por amor, render-se ao pedido e decidir que iria maltratar seu irmão, quebrando a única amizade que lhe restara.
Todos sabiam muito bem que doeria muito mais no pobre Helike do que em qualquer um ali por terem de tratá-lo tão mal, entretanto, ou o faziam, ou a situação poderia ser muito pior, nesse caso não só pro pequenino, como pra todos em Lanshi, já que uma simples brincadeira de mal gosto poderia desencadear a fúria do espírito.
Entretanto, antes de tentar tratar seu irmão mau, Flame decidiu dar-lhe um último agrada, ao menos, esperava ele, um último agrado por hora, esperando que o encanto estivesse realmente atuando e efemeramente ele e seu irmão pudessem viver na harmonia de antes.
O jovem decidiu por dar a sua capa, quase que semelhante a que seu irmão ganhara no dia anterior, como uma espécie de tributo ao seu irmão que já tanto sofria e ainda mais havia de sofrer.
‒ Porque estas me dando tua capa, bro? Ela é tudo, pode ficar! ‒ Disse inocentemente Helike, recusando o presente.
‒ Você merece bro, além do mais, a tua rasgou. E também quero que a guarde como uma recordação de nossa união, já que, até mesmo a pedra da cota é uma mistura de nós dois. ‒ Disse Flame docemente, tentando evitar contra-argumentos.
‒ Mas... hunf... Ta bem, vou guardá-la com a minha vida, meu irmãozão! ‒ Disse Helike com um sorriso tão grande quanto podia caber em sua face.

Mais tarde, naquele dia, Flame e Helike saíram para brincar num campo próximo do lar, porém, relativamente, distante do vilarejo, aquele precisava começar a exercer o pedido de seus pais e, contrário à sua vontade, tratar mal o irmão, sendo assim, ele fingiu estar mal humorado ao sair com o irmão, como se não quisesse a presença deste, e ele notou que tinha algo errado.
Bro? O que houve? Porque estás tão emburrado?
‒ Não tem nada. ‒ Respondeu o irmão fria e rispidamente, mas no fundo, amargurado.
‒ Então porque tens andado assim? Até ontem estavas contente e amigável, agora até os insetos te evitam.
‒ Cansei de ser bonzinho e só me dar mal.
‒ Como assim? Eu te meto em enrascadas?
‒ Você acha que os meus pais gostam que eu ande grudado contigo, dragão.
‒ Hã... ‒ Deixou escapar Helike, meio sem jeito e já chateado ‒ Mas eles nunca te trataram mal por isso, ao menos nunca os vi fazendo isso.
Pego de surpresa pela argumentação, o jovem escarlate tentou disfarçar uma resposta ‒ É... É que você não chegou a reparar mesmo... Mas eles não gostam que eu ande contigo, assim como todos, te acham uma aberração e eu estou começando a concordar. Concluiu impiedosamente.
Aquelas palavras afetaram muito Helike, ele jamais esperara uma atitude tão cruel quanto esta vinda de seu irmão.
Com os olhos enchendo em lágrimas, ele pergunto:  ‒ Puxa, bro, porque estas agindo assim? Que deu em ti?
Com mais fúria que Flame queria, ele trovejou: ‒ Porque ninguém te ama, muito menos eu, cansei de bancar o bobo e tomar conta do pobre bebezinho aberração. Eu só tive dó de ti esse tempo todo, mas já basta! Não agüento mais ouvir teus lamentos infantis.
O pequeno vermelho só foi notar o quão bruto foi ao ver seu irmão partir em disparada, deixando um pequeno rastro úmido no ar causado pelas lagrimas que brotavam dos olhos do pequenino. ‒ Hei, Helike, espere! ‒ Correu atrás dele.
Helike via-se num frenesi de emoções depois das palavras do irmão, um misto de medo, dor, rancor e, sobressaindo-se, ódio. Ódio este que provaria a eficácia ou não do encanto do dia anterior, o qual causara essa dor no peito do pequeno ser negro.
Enquanto corri e as lagrimas escorriam por seu rosto, ele tentava deduzir o que estava havendo com seu irmão, ficou cerca de cinco minutos correndo e pensando, até que não aguentava mais e parou, arfando. Nesse meio tempo Flame alcançou-o e, ainda adotando uma postura robusta e cruel, rosnou:
‒ Onde você pensa que vai, dragão? Não há lugar em todo o universo que vá lhe aceitar, não tens para onde correr! ‒ Enquanto se aproximava, ele mudou o modo de andar para um estilo mais sutil e calculado.
‒ Para de me chamar assim! ‒ Berrou o pobre dragão quase sem fôlego e apavorado antes de começar a correr novamente. Dessa vez ele decidiu por usar um artifício mais eficiente e, abrindo as sinuosas asas, levantou um voo, lento, mas que ganhou velocidade rapidamente devido as grandes asas, aptas para voos rápidos. Viu seu irmão ficando pra trás num primeiro momento, mas este logo aderiu também ao voo para continuar a perseguição.
‒ Parar com o que, dragãozinho bobo?
O ódio pelo que seu irmão fazia crescia cada vez mais sobre Helike, como se quisesse dominá-lo, entretanto, o amor que alimentava pelo irmão, que fora ao intensificado com o tempo, ainda dotava-o da capacidade de conter-se. Ao menos por mais algum tempo.
Foi então que, subitamente, ele lembrou-se de onde estivera no dia anterior com seus familiares e até onde tinha a capa. Nesse momento ele virou-se para Flame e encarou-o, enfurecido, porém controlado.
‒ O que aconteceu ontem? O Que os anciões fizeram? Porque rasgaram minha cota? Porque vocês não fizeram nada a respeito? ‒ Indagou o jovem dragão negro desenfreadamente.
Seu irmão não esperava tanto essa reação, quanto a enxurrada de perguntas, porém, por afeto ao seu irmão, decidiu que ele merecia saber toda a história. E assim contou desde dois anos atrás, contou do porque de seus pais tratarem-no daquela maneira, contou desde quando sabia das coisas, contou dos treinamentos que os anciões lhes davam para dominá-lo.  Relatou cada fato até o dia anterior para o irmão, a fim de tentar amenizar a dor dele, já que, ele achava que o encanto já havia se provado eficiente. ‒ ... E ontem eles decidiram tentar lançar um feitiço sobre ti para tentar controlar esse lado sombrio teu e assim poderíamos cessar os mal tratos a ti, e voltaríamos a ser felizes. Quanto à cota, eles foram extremamente insensíveis a ti e a nós mesmo, não tínhamos como impedir. Eu estava tratando-te assim hoje para fazer o teste final sobre o encantamento, já que ele não havia sido usado antes e ninguém sabia se funcionaria perfeitamente; o que definiria como seria daqui em diante. Vendo que até agora nada aconteceu, a não ser tu terdes corrido, o encanto deve ter fun-- ‒ Ele foi forçado a cessar seu discurso assim que o irmão abaixou a cabeça e uma pequena aura esverdeada começou a emanar do seu pequeno corpo.
Desta vez parecia mais perverso e poderoso que as últimas vezes em que o irmão era dominado pelo espírito, emanou do pequenino a aura esverdeada, está a qual não havia aparecido antes, os contornos de cada escama do abdômen e em outras partes aleatórias do corpo foram realçadas por linhas verde incandescente que lhe davam ares de possuído, seus olhos perderam o tradicional tom marrom das pupilas e deram lugar a um vermelho maléfico que fez Flame arrepiar-se e contrair a cauda.
O pequeno dragão escarlate começou a recuar, controlando o pânico que tentava dominá-lo, observando o irmão completamente tomado pelo ser malévolo.
‒ He-Helike, N-não brinca co-comigo!
Quando o jovem negro abriu a boca uma voz grossa e distorcida pronunciou-se ‒ Brincar? Quem brincou comigo foram vocês! Fizeram-me de fantoche esse tempo todo. Enganaram-me esse tempo todo, principalmente você, ‒ E imitando o método como Flame estava dirigindo-se a ele anteriormente ‒ dragão.
‒ He, sabes que era só para o teu bem. Nunca quisermos fazer você sofrer, pelo contrário fizer--
Basta! Não adianta tentar corrigir agora, irmão, Já está feito. Vocês me fizeram de bobo, de boneco de testes, esse tempo todo, agora vou dar-lhes o que vocês merecem!
E, fora, completamente, de si, Helike abriu as asas e foi levitado, por uma força inexistente à realidade deles. Após atingir certa altura ele começou a brilhar intensamente e uma esfera azul pálida de energia começou a crescer partindo de seu interior e logo o englobando e crescendo mais e mais.
Flame nesse momento já havia se rendido ao pânico e agora corria desesperadamente do local onde a fúria do irmão começou a manifestar-se. A energia que o irmão gerava já era tamanha que começara a criar um campo gravitacional envolta de si, desse modo pedras e outras coisas ainda maiores começaram a voar em direção a bola de energia que crescia atrás de Flame e eram impiedosamente tragadas pela energia macabra. Até mesmo o passo desesperado dele era prejudicado pela interação magnética que era gerada atrás dele.
No interior da esfera ceifadora que tomava forma, o ser que possuía o corpo do pobre dragão dominava, impedindo qualquer reação de seu hospedeiro, este o qual, de fato, não poderia, pois não tinha energia para nada. As duras palavras que o irmão lhe dissera, cutucara com força a besta dentro de si adormecida e ele lutou até o fim para impedi-la de acordar e agir. Lutara tanto que suas energias próprias desgastaram-se e tudo que restou foi a carcaça de seu corpo inerte, porém viva, para que o ser a dominasse.

Logo, com muito esforço, Flame alcançou seus pais, que já haviam notado que tinha algo de errado e, com perspicácia surpreendente, já contaram os anciões que vieram, todos, com máxima urgência onde eles moravam.
Todos olhavam para o horizonte, que era engolido pela esfera opaca e tentavam encontrar um meio de parar a fúria do jovem filhote, mas, como já esperavam, nada podia ser feito. Ao cutucarem a besta, encontraram o seu fim.
A esfera crescia a cada segundo mais, devorava, vagarosamente, Drunsgdom. Os anciões optaram por não alertar os habitantes de Linsgui, pois, como já estava a anoitecer, acharam melhor que fossem dissolvidos durantes os sonos, para evitar sofrimento.
Flame e seus pais optaram por aproximarem-se o máximo possível da esfera e serem dissolvidos juntos, e o mais próximo possível de Helike, O Dragão Negro de Chifres de Cristal Azul.
Junto a Drungsdom todo o passado de Helike, e de qualquer outro dragão que tenha vivido por lá, sumiu.
Exceto pelas lembranças que ele havia absorvido de seus pais, Flame e dos anciões, inconscientemente, enquanto sua fúria tragava o pequeno planeta.



Because this is me ₢ Helike Long